A Escola, Gestão, Estudantes Nativos Digitais: Perspectivas e Desafios no Campo Educacional (III)
O estudante nativo digital diante da escola
Todo o diálogo empreendido até o momento foi no sentido de compreender os espaços e os agentes sociais do campo escolar. O foco principal desse processo todo está ali, diante de nós, ávido pelo saber e, ao mesmo tempo, sendo bombardeado com um arcabouço imensurável de informações e possibilidades que o mundo tecnológico lhe apresenta. O questionamento acerca dos estímulos, ou melhor, tipos de estímulos que os estudantes recebem em formato de informações, talvez em um número imensamente maior do que o professor, precisam ser trabalhados cognitivamente para sejam assimilados em forma de conhecimento. São variados e de várias fontes. É necessário processar e compreender o que realmente será tratado na forma de conhecimento e repertório para a vivência em sociedade e formação cidadã.
Esses estudantes chegam com sonhos e esperança munidos de muito conhecimento que já acolheram na vivência e convivência com diversas comunidades, ou talvez somente a sua, mas que revelam o conhecimento cultural da sociedade em que estão inseridos.
Ainda que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traga apontamentos para as aprendizagens essenciais, é necessário olhar com atenção para quem será destinado esse conteúdo administrado em forma de currículo em cada contexto.
Muitas são as possibilidades de qualquer criança, jovem ou adulto acessar os conhecimentos disponíveis. É preciso compreender que o conhecimento não está mais entre quatro paredes ou restrito a sala de aula, esse estudante está sendo informado o tempo todo, e como já mencionado anteriormente, é necessária a mediação pedagógica para que esses estudantes sejam estimulados à pesquisa, reflexão e prática.
Outra questão importante em relação aos estudantes é a exigência de sempre ser o melhor. Os rankings, infelizmente promovem apenas se relacionam aos conhecimentos específicos, que são necessários, mas esquecem de avaliar a capacidade do estudante de aplicar esses saberes na prática. Essa avaliação apenas para tirar boas notas, ser o melhor da turma, “ganhar estrelinha” prioriza a decoreba ao invés da inteligência criativa.
Para alcançar esses objetivos específicos, a escola exige a memorização, sem pensar na construção do saber, no posicionamento pessoal de cada estudante, que provavelmente será de acordo com sua cultura, dos conteúdos apresentados para os alunos que precisarão ler, ouvir e depois escrever nas avaliações o que gravaram na memória, pois, teoricamente, isso mostraria o quanto assimilaram do assunto da aula. Portanto, é necessário pensar que além de criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram, que sejam criadores, inventores, descobridores, e que inovem a partir do conhecimento científico (PIAGET, apud ALLAN, 2023, p. 69).
Ainda neste movimento de compreender esse estudante do Século XXI, a avaliação deve passar de julgamento e medida para a valorização e validação do aprendizado. Por isso não cabe premiar quem tirou boa nota e crucificar o que foi mal na prova. A avaliação é o processo, a compreensão do desenvolvimento do estudante, uma amostra da construção do conhecimento. A escola deveria trabalhar analisando os erros nessas avaliações com o intuito de observar atentamente porque seus alunos não aprenderam ou não conseguiram uma nota boa, e assim poder corrigir os erros. A escola deve proporcionar a compreensão da realidade mediante a aprendizagem dos conceitos científicos escolares.
Mas para que esse estudante seja o protagonista é necessário o mediador, o professor com práticas pedagógicas que possibilitem esse desenvolvimento e avaliação coerente e respeitosa aos ritmos de aprendizagem de cada ser humano. Pois é preciso olhar para esse ser humano também. Será que ele consegue lidar com os estímulos externos à escola e ao mesmo tempo direcionar a sua atenção ao conhecimento e aprendizado que a escola está cobrando?
Professor: agente mediador do conhecimento
É preciso que a escola, educadores estejam preparados para receber esses estudantes com metodologias adequadas, ativas e ágeis que valorizem cada contexto social. Metodologias que, além de trazer o conhecimento na forma de conteúdo necessário para a sua formação, também possam “estimular os estudantes a buscar conhecimento e desenvolver habilidades para criar uma realidade estudantil fascinante e, quem sabe, promover um impacto social positivo” (ALLAN, 2023, p. 51).
Existem muitos tipos de metodologias que hoje recebem a denominação de metodologias ativas, mas que são metodologias existentes nas práticas dos educadores e que apenas precisam ser rememoradas. Alguns exemplos são a resolução de problemas, jogos, aula invertida, além de possibilidades digitais disponíveis e de fácil acesso a todos.
Outra perspectiva para o estudante desse contexto midiático é a possibilidade do uso de materiais recicláveis. São possibilidades que colocam o estudante para confeccionar os recursos para a sua própria aprendizagem. Aliados a esses materiais podem ser associados os recursos da robótica presentes em muitas escolas e (sub)utilizados. O simples fato de acender uma lâmpada vermelha ou verde de um semáforo construído com papelão já muda totalmente o recurso. Os conteúdos empregados em uma construção como essa são inúmeros e podem ser explorados, se bem planejado pelo professor. Lembrando que esse professor nem sempre foi formado para compreender a mudança tecnológica do mundo, muitas vezes ele precisa de ajuda e de formação continuada, mais do que querer ele precisa entender a necessidade de mudanças.
Desde que as diretrizes sugeridas por Delors (2010) colocam o professor e a relação que ele desenvolve com cada aluno como peça-chave para o desenvolvimento das aprendizagens, a intencionalidade pedagógica que revela a perspectiva do professor em relação à ação pedagógica, a sua expectativa sobre a aprendizagem dos estudantes deve contemplar e “[...] privilegiar, em todos os casos, a relação entre professor e aluno; as tecnologias de última geração, por sua vez, devem limitar-se a apoiar a relação (transmissão, diálogo e confronto) entre o docente e o discente” (UNESCO, 2010, p. 33). Importante que o professor compreenda a relação professor-aluno como possibilidade de melhorar a argumentação e o aprendizado, e quais as teorias pedagógicas que o subsidiarão em sua prática, entre outras coisas.
Como historicamente, a meta principal das escolas está na memorização de conteúdos e na conformação dos cidadãos para a vida em sociedade, a perspectiva já apresentada por Delors (2010) propõe quatro objetivos específicos e interligados para a aprendizagem escolar: Aprender a conhecer, aprender a viver juntos, aprender a ser, aprender a fazer. Parece jargão, mas quando se pensa a ação pedagógica para esse momento da história da humanidade, é preciso repensar essa educação formal, essa escola tradicional que se apenas prioriza a contagem, a memorização e a leitura e escrita. Processos importantes, mas não somente esses devem ser focados, mas sim a perspectiva da educação ambiental, da vida em sociedade, do mundo do trabalho totalmente reconfigurado pelas tecnologias que são recursos espetaculares para a mediação pedagógica.
Diante dos múltiplos desafios apresentados para um futuro-presente, a educação que se apresenta como indispensável para que a humanidade tenha a possibilidade de progredir na consolidação e desenvolvimento contínuo das pessoas e das sociedades. Não existem milagres, mas sim um trabalho competente para o desenvolvimento humano mais harmonioso capaz de lidar com os desafios cotidianos. Para, além disso, ainda é preciso conhecer o passado para se organizar para o contexto social presente de maneira coletiva, com compartilhamento de práticas, baseadas no aprender a viver bem juntos, percebendo que as ações individuais influenciam a vida de muitos. Os objetivos de aprendizagem da escola precisam ser analisados e compreendidos para que o trabalho em equipe promova o autoconhecimento, a percepção sobre os outros, sobre o mundo e sobre as consequências das ações de cada um nas relações humanas. É preciso compreender a importância do eu e do outro, e isso se dá nas relações interpessoais e intrapessoais que ocorrem na escola.
Essa compreensão dos objetivos de aprendizagem por parte do professor influencia diretamente na sua prática. A sua intencionalidade pedagógica para a mediação precisa se adaptar às realidades e com isso, o tipo de aula expositivo, deixa de ser foco principal vai abrindo espaços para estratégias metodológicas cujo foco é o estudante. As práticas pedagógicas e a atividades preparadas para o desenvolvimento da aula devem ser organizadas de maneira que o estudante seja o articulador do conteúdo que aprendeu para apresentar de forma espontânea e também nas avaliações que se sucederem. Nessas avaliações ele saberá interpretar, compreender o que está sendo solicitado, sem traumas de um repertório somente de decoreba que o faz inseguro diante das avaliações por mais diversos que sejam os instrumentos.
Ainda é necessário que a forma como os conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade são ensinados na escola, sejam expostos de maneira holística e não como se fossem fragmentados, independentes, autônomos. Mesmo havendo as especificidades características de cada área, é importante o olhar para o todo, de forma a contemplar as inter-relações possíveis entre as diversas áreas do conhecimento.
Enquanto os professores estiverem isolados não há como os estudantes sintetizar o que lhes foi apresentado, pois as conexões necessárias para essas habilidades precisam ser desenvolvidas a partir das atividades propostas de forma interligadas. Enquanto isso, a matemática vira números, a geografia, paisagens, a história é só passado, a língua portuguesa, gramática, etc, não que isso não seja importante, mas para que isso promova compreensão do mundo e dos acontecimentos do dia a dia depende da compreensão e necessidade de aprendizagem de conteúdos diversos que além de poder serem utilizados na vida cotidiana, ainda podem promover o conhecimento científico para além dos muros da escola e de sua sociedade, seu bairro, sua cidade.
Somente após entender e apreender esse significado é que os estudantes poderão se tornar aptos para o diálogo aberto e a resolução de problemas, tomadas de decisões mediação de conflitos, entre outras situações do mundo e do contexto real. É papel do professor possibilitar que esses conhecimentos estejam conectados nas práticas pedagógicas para que os conteúdos, aprendizagens essenciais possam ser vivenciados e desvelem as necessidades cotidianas num mundo real e cultural de cada sociedade.
Algumas considerações
A propositura da temática que objetivou refletir sobre a escola e o contexto atual com perspectivas de futuro trouxe a possibilidade de revisitar alguns momentos e segmentos desse campo tão conflituoso e necessário para a formação dos estudantes.
A escola, como foi possível observar no texto, está repleta de nuances que perpassam desde a sua configuração até a aprendizagem dos estudantes. Se o foco da escola é o estudante, todo o seu movimento deve ser nessa direção. Mas, novamente cabe a reflexão quando se pensa em escolas do futuro, em que as possibilidades de o conhecimento ser mediado em todos os espaços sociais e culturais estão postas, disponíveis, como fica a escola que tradicionalmente está lá, com sua organização de anos? Mesmo esse espaço sendo tão rico não fica imune às críticas, intervenções de diversas formas, cobranças por resultados e tentativas de buscar sempre o melhor para a aprendizagem dos estudantes.
A gestão em busca de proporcionar, diante da gestão democrática, o melhor ou a tentativa de ser a melhor, muitas vezes consumida com a organização administrativa com demandas infindáveis, não consegue olhar, nem pensar pedagogicamente. Esse é um ponto relevante para que o processo educativo se efetive. O gestor precisa, além de administrativo, ser pedagógico, compreender os processos e proporcionar as condições para que o mesmo aconteça.
Em relação às práticas pedagógicas dos professores, são as melhores que podem ser desenvolvidas diante da realidade, da formação e das condições que lhes são exigidas para que o cumprimento de tarefas e atividades, em busca de resultados seja eficaz. Às vezes sufocados pelas cobranças os professores fazem o que está ao seu alcance sem conseguir se planejar para uma avaliação processual, formativa que realmente proporcione avaliar o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes. Os resultados precisam ser os melhores, pois isso demanda os recursos, a imagem da escola, dos professores, da gestão. Todos se organizam para que o resultado seja o melhor e ele pode até ser, mas quanto à aprendizagem, é necessário repensar. Será que foi efetiva ou foi somente algorítmica, técnica para passar e tirar boas notas.
Enfim, importante que se pense a escola no contexto atual-futuro em que, para além do conhecimento científico, esses estudantes precisam ser seres humanos, capazes de tomar decisões acerca das situações reais com sabedoria. Enfrentar uma sociedade do imediatismo, da fragmentação, da tecnologia, das informações e também do conhecimento, com uma educação que seja para a vida em sociedade e para o mundo do trabalho.
Márcia Friedrich
Mestre em Educação