A Escola, Gestão, Estudantes Nativos Digitais: Perspectivas e Desafios no Campo Educacional (II)

Desafios e possibilidades inerentes ao educador/gestor 

Iniciamos aqui com a colocação de Paro (2015) que ressalta a educação como apropriação da cultura sendo um direito universal, e que se apresenta como necessidade intrínseca de desenvolvimento da sociedade e fortalecimento da democracia.

Agregado ao fim principal da escola que é a aprendizagem do estudante como ser humano, historicamente constituído, a gestão apresenta-se como um segmento fundamental. Mais que o tratamento técnico, em que Paro (2015) se refere como o processo didático-metodológico, há que se pensar igualmente o processo político, este último, que trata da ação democrática e a necessária simbiose que deve haver entre ambos. Nesse ínterim, o gestor está imerso como o agente que proporciona a interconexão, mediação administrativa e pedagógica. 

O setor educacional brasileiro apresenta exigências, e demandas e, a sociedade cobra das escolas um posicionamento responsável e moderno. A partir da gestão democrática, na qual a prática escolar abre espaço para uma relação de troca com a família e sociedade, que transcende a ideia de ensino depositário, entende-se que conteúdo não é somente o fim último do ensino e da aprendizagem, buscam-se profissionais engajados. 

Profissionais que se apresentam diante de “arsenais tecnológicos que vem rapidamente transmutando modelos pedagógicos seculares” (ALLAN, 2023, p. 155).

Ao diretor cabe uma postura em consonância com os fundamentos da proposta pedagógica da escola. O maior desafio da escola hoje é resgatar a credibilidade frente à sociedade sem, contudo, desobedecer a legislação vigente. Esse processo exige que a comunidade escolar seja fortalecida em cada instituição num trabalho coletivo dos agentes sociais envolvidos. Esse fortalecimento diante da sua própria comunidade que compreende e deve compreender que a educação escolar é, por essência, uma atividade de interesse público.

Uma escola pública de qualidade idealizada para todos é indiscutivelmente um enorme desafio. Sendo assim, quando a demanda da sociedade não é atendida pelo governo, a cobrança automaticamente se reverte e a escola é duramente atacada e cobrada pelos representantes do poder público. 

Segundo Paro (2015), “a intenção de aplicar na escola os princípios de produção que funcionam nas empresas em geral não é recente, mas tem-se exacerbado ultimamente, configurando um crescente assalto da lógica da produtividade empresarial” (p. 104).  Entretanto é preciso compreender que as políticas educacionais e, em especial, a gestão escolar tem um papel preponderante na democratização da escola. Mesmo assim, as formas ultrapassadas da escola básica, em sua estrutura global, continuam organizadas para cumprir as demandas administrativas, pautando-se no mundo dos negócios com medidas como a “qualidade total”, o “empreendedorismo” ou como a formação de gestores, capitaneada por pessoas e instituições afinadas com os interesses da sociedade e por ideias e soluções transplantadas acriticamente da lógica e da realidade do mercado. Uma escola que precisa atender às exigências do mérito, do poder. E ainda que, sobretudo, se destaquem nas avaliações de larga escala que reforçam essa situação colocando as escolas, ou não com índices que promovam verbas mediante as exigências.

Entretanto o exercício do poder do diretor está relacionado à autoridade como um poder legítimo, uma autoridade democrática que, segundo Paro (2010, p. 40), supõe a “concordância livre e consciente das partes envolvidas”. 

É preciso retornar ao pensamento do fim precípuo da escola como formadora de cidadãos, que precisam compreender as relações humanas como o respeito, em primeiro lugar. A partir desse princípio, o conhecimento científico deve estar entrelaçado nesse contexto, considerando que o conhecimento leva o sujeito à emancipação e cidadania. A escola deve ser espaço de contradições, diálogos, embates acerca de temas científicos, sociais e culturais, para que assim ela seja democrática e cumpra seu papel de ensinar.   Dessa forma, “se a educação se realiza de fato, realiza-se em alguma medida a democracia, ou seja, a constituição de sujeitos” (PARO, 2015, p. 107). 

As teorias pedagógicas que versam sobre o desenvolvimento humano e da aprendizagem e estão nas disciplinas dos cursos de licenciaturas, serviram para alertar que para além dos conteúdos específicos necessários, há que se preocupar igualmente com a forma que a criança aprende, pensa e desenvolve cognitivamente, biológica e socialmente. A compreensão do desenvolvimento do ser humano a partir do conhecimento, é fundamental para que seja repensado o papel da escola como campo de conhecimento e desenvolvimento humano. Isso implica em gestão escolar que se preocupe com o seu coletivo também pedagogicamente. Um gestor pedagógico comprometido com a aprendizagem dos estudantes e que tem a responsabilidade como escola, como coletivo, que conhece a história daquele espaço que está sob sua gestão, em que há, além de ideias pessoais ainda há determinação de uma instituição com valores e crenças inerentes àquele espaço, ainda pessoas com identidade própria, com suas particularidades imersas em um macro ambiente. 

Neste lugar em que a evolução da educação e a ampliação do papel da escola na sociedade mostram que o exercício de liderança nos moldes tradicionais é incompatível com as perspectivas da sociedade atual. a gestão escolar precisa superar o caráter personalista de liderança do gestor. Para isso, é necessário diferenciar os conceitos e definir os papéis, em que a tarefa da escola é a função básica como educadora e, é precisamente levar os estudantes a quererem aprender.

O papel do gestor é de construir uma organização de acordo com os fundamentos do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, pois de nada adianta propor e não vivenciar. As vivências coletivas, a coerência entre o discurso e a prática aponta para o exemplo alicerçado pelos agentes do coletivo de profissionais. “O mesmo “aprender a aprender” que se busca com os alunos, a mesma predisposição para novas capacitações que se cobra do professor espera-se em dobro do líder, do diretor, enfim, do novo gestor”. (COLOMBO, et al, 2004, p. 242). 

Essa postura coerente é que vai desencadear a mobilização da equipe para que a criatividade, o trabalho em equipe e a agilidade na resolução de problemas, juntamente com a comunicação assertiva e eficiente, com respeito seja o estímulo para o professor que possibilite em sala de aula, o que as famílias esperam em relação a aprendizagem de seus filhos. 

É um gestor ciente da sua reponsabilidade pedagógica que o levará à (des)acomodação para imprimir sua personalidade como gestor. A sua visão holística do seu campo institucional é que o fará implementar os projetos da comunidade escolar, atrelada à sociedade e ao contexto em que a escola está inserida. É necessária a determinação da instituição para se trabalhar o professor que está lá, carente de prestígio e reconhecimento social, e é fruto de uma educação fundada em pressupostos diferentes dos que hoje constroem um bom profissional (COLOMBO, 2004). 

Esse discurso que trouxemos até aqui, é o mesmo de muitos anos. Entretanto ele não está desatualizado. Precisa ser rememorado. A escola que hoje deveria estar envolta em um contexto em que a sociedade expõe os estudantes aos mais diversos desafios e possibilidades, em que a tecnologia de certa forma cobra um posicionamento em relação às práticas pedagógicas e de gestão da instituição, precisa ir além de aspectos técnicos da prática docente e alcançar o patamar do desenvolvimento pessoal, visando ao perfil cidadão de conhecimento como um centro de aprendizagem.

No dia a dia, é um grande desafio encontrar, em meio à rotina escolar, o tempo que deve ser dedicado aos objetivos pedagógicos e olhar a escola como um todo. O gestor não pode satisfazer-se com o bom desenrolar de cada dia das atividades inerentes ao seu papel, ele deve pensar e planejar estratégias coletivas que levem ao desenvolvimento de processos com distribuição de funções, responsabilidades com autonomia e confiança no coletivo, visando à resolução de problemas.

A educação como ação pedagógica possibilita é o convencimento de que a tomada de decisões competentes no âmbito das políticas públicas educacionais não pode ignorar a natureza dos processos de ensino e de aprendizagem. Então, “mais uma vez, é de extrema importância atentar para a natureza pedagógica da educação, para constatar que não se está diante de um objeto de trabalho qualquer, ou seja, não se trata de mero objeto, como acontece na produção material, por exemplo, mas de um sujeito” (PARO, 2015, p. 76). Isso é decisivo quando se trata de tomada de decisões competentes no âmbito das políticas educacionais.

Márcia Friedrich
Mestre em Educação
 

 

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